As projeções apontam que o desmatamento na Amazônia deve chegar a 15 mil km² neste ano, contra os quase 10 mil km² de 2019, uma área tão grande quanto a Jamaica, maior que a Colômbia. Comparado aos dados dos últimos quatro anos, os resultados configuram uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história. É a consolidação do fim do longo período de reduções na perda da cobertura florestal obtidas com a implantação Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia, lançado em 2004. Já foram desmatados 566 mil hectares apenas entre agosto de 2019 e abril de 2020.
A realidade hoje, de um desmatamento recorde e abusivo, é revelada por inúmeros programas de acompanhamento científico como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Imazon, entre outros, que utilizam sistemas via satélite para monitorar a tragédia que assola a Amazônia.
Grilagem de terras, roubo de madeira e garimpo ilegal avançam de uma maneira mais agressiva sobre a região do Xingu no Pará, de longe o Estado mais atingido pelas invasões ilegais. Os sistemas de detecção de desmatamento apontam que, nos quatro primeiros meses de 2020, o desmatamento na bacia do Xingu aumentou 20%. A análise aponta que 25% do desmatamento ocorreu dentro de Áreas Protegidas, somando quase nove mil hectares, 56% a mais que no mesmo período de 2019.
O desmatamento atingiu em cheio cinco terras indígenas e três unidades de conservação no Pará, chegando a 43 mil hectares desmatados nessas áreas, historicamente e juridicamente protegidas. O Estado contabiliza um aumento de 170% da taxa de desmatamento no período de agosto de 2019 a abril de 2020, com 233 mil hectares desmatados. Dos dez municípios mais desmatados no país ano passado, seis estão no do Pará
Estudo feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revela aumento de 94% no desmatamento em território paraense quando comparados dados de 2018 com 2019 e aponta para a interiorização do “Arco do Desmatamento”, que desponta ao longo de rodovias como a Transamazônica, BR-163 e PA-279 e pressiona Terras Indígenas e Unidades de Conservação. As Áreas Protegidas da bacia do Xingu, entre os estados do Pará e Mato Grosso, figuram entre as regiões mais vulneráveis.
Revelada essa obscura destruição na região amazônica, o Brasil vai enfrentar as consequências: a Comissão Europeia, órgão executivo da União Europeia (UE), quer uma estratégia mais incisiva para evitar que produtos oriundos de áreas de desmatamento na Amazônia cheguem a prateleiras dos supermercados de países do bloco, o que terá mais um enorme impacto na já impactada economia nacional.
Para o senador Jader Barbalho (MDB-PA), o governo federal precisa assumir sua responsabilidade e explicar à população quais medidas estão sendo tomadas para evitar o desmatamento desenfreado e punir os responsáveis. Ele encaminhou um Requerimento de Informações ao ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles. O Requerimento de Informações é um procedimento previsto na Constituição Federal, e cujo retorno é obrigatório por parte do gestor público, sob o risco de perder o cargo, além de outras punições, e deve ser respondido obrigatoriamente no prazo de 30 dias.
“Ao que tudo indica, as ações são criminosas. Assistimos à exposição do engenheiro florestal Tasso Azevedo em reunião remota promovida pela Frente Parlamentar Ambientalista Mista do Congresso Nacional. Coordenador do projeto MapBioma, ele revelou aos parlamentares que mais de 99% dos casos de desmatamento na Amazônia têm fortes indícios de ilegalidade. E quais providências legais estão sendo tomadas para punir os responsáveis por esse desmatamento ilegal?”, questiona.
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que desde fevereiro coordena o Conselho da Amazônia, também deveria ter participado, de forma remota, da reunião com parlamentares da Frente Ambientalista, mas ele cancelou a presença, após ter sido convocado para uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro.
“Nenhum representante do Governo Federal explicou as razões que levaram ao aumento da taxa de desmatamento e, mais grave ainda, quais são as medidas urgentes e necessárias que estão sendo tomadas para apurar e rebelar os atos de ilegalidade apontados pelo MapBiomas, que já tiveram repercussão internacional, com ameaça de boicote aos produtos brasileiros”, lembrou Jader Barbalho, que encaminhou ao vice-presidente, Hamilton Mourão, um ofício, informando que, como forma de obter respostas plausíveis, protocolou no Senado Federal um Requerimento de Informação dirigido ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Ao encaminhar a cópia do Requerimento à Mourão, coordenador do Conselho da Amazônia, o senador paraense solicitou que este também informe quais são as providências que estão sendo tomadas pelo Conselho para conter e punir os responsáveis pelos desmatamentos que estão ocorrendo na maior floresta tropical do mundo e na maior bacia hidrográfica do planeta.
Os resultados divulgados pelo coordenador do projeto MapBioma fazem parte do Relatório Anual do Desmatamento no Brasil. De acordo com o documento, somente no ano passado, o Brasil perdeu mais de 1,2 milhão de hectares de vegetação nativa.
O documento reúne dados de três fontes com imagens de alta qualidade e gera laudos detalhados dos casos de desmatamento. Desta forma, a organização conseguiu gerar 56 mil laudos em 2019 contra mil do ano anterior. Todos os estados registram desmatamentos ilegais, em 1.734 municípios. O estado do Pará é o maior em quantidade de casos e em área, revela o documento.
Tasso Azevedo afirma que é possível identificar 75% dos responsáveis pelos desmatamentos. Ele pediu ajuda aos parlamentares para que os laudos gerados pela organização sejam investigados pelo setor público. Pelos dados do MapBiomas, o desmatamento no país atingiu mais de 12 mil km² em 2019, um total equivalente a oito vezes a cidade de São Paulo. O coordenador informou no debate com os parlamentares que foram detectados e validados 56.867 eventos de desmatamento no ano passado.
Revelou ainda que, ao cruzar esses casos com as áreas em que há restrição de uso — como unidades de conservação, terras indígenas, áreas de proteção permanente, reservas legais e nascentes — e áreas que tinham algum tipo de autorização para o desmatamento, a conclusão é que mais de 99% de todos os alertas detectados em 2019 ou não tinham autorização ou estavam sobre áreas protegidas que não poderiam ser desmatadas. O que fez com que os especialistas concluíssem que 99% dos desmatamentos têm forte indícios de ilegalidade, o que torna o desmatamento essencialmente uma atividade ilegal no Brasil.
O MapBiomas é mantido por ONGs, universidades e empresas de tecnologia. A plataforma cruza imagens de satélite com bancos de dados oficiais sobre a finalidade e a propriedade das terras, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Os laudos gerados pela plataforma podem identificar os responsáveis por pelo menos 75% dos casos de desmatamento no país.
Especialistas em meio ambiente estimaram durante a reunião da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional que o desmatamento na Amazônia deve chegar a 15 mil km² neste ano, contra os quase 10 mil km² de 2019.
“O que chama a atenção em todo esse processo é a unanimidade entre os especialistas na área ambiental sobre a falta de ação do governo federal frente ao grave problema do desmatamento. Temo que um possível boicote da União Europeia aos produtos nacionais seja apenas o início de uma ação internacional em decorrência da ausência do Estado brasileiro no combate às ações ilegais na Amazônia e, pior ainda, pela indiferença misantropa do governo federal que ignora qualquer ação de preservação” protesta o senador.
O desmatamento na Amazônia já foi de menos de 5 mil km² em 2012. O engenheiro agrônomo Beto Verissimo, pesquisador da Consultoria Imazon, afirmou que dos 80 milhões de hectares já desmatados da floresta original, que representam 20% do total, 30% estão abandonados e 60% são subutilizados.
A Floresta Amazônica ‒ 60% da qual se encontra no Brasil ‒ é um dos maiores sumidouros de CO2 do mundo. A preservação de suas árvores é crucial para atingir as metas internacionais que limitam o aumento da temperatura global a dois graus Celsius (2°C) acima dos níveis pré-industriais.
FORÇA ESTADUAL
A Força Estadual de Combate ao Desmatamento Ilegal no Pará evitou que uma clareira do tamanho de 4 mil campos de futebol fosse queimada dentro da Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu (APA TX), na zona rural dos municípios de São Félix do Xingu e Altamira. As equipes percorreram, na semana passada, cerca de 300 km dentro da APA até chegarem ao acampamento que seria usado como suporte para a queimada da vegetação.
“A ação faz parte da Operação Amazônia Viva que foi deflagrada neste mês. O objetivo é coibir crimes ambientais, como desmatamento e queimadas, nos dez municípios que detém os maiores índices de desmatamento no Pará. Por isso, nós distribuímos as equipes de forma simultânea em quatro pontos estratégicos que interligam as localidades que estamos protegendo”, explicou o diretor de fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Rayrton Carneiro.
As equipes da Força Estadual de Combate ao Desmatamento também encontraram e desmontaram três acampamentos, que foram instalados em uma área de difícil acesso dentro da floresta no município de Novo Progresso, na região do Xingu. As estruturas improvisadas eram utilizadas no apoio das ações dos desmatadores que atuam na região. Ninguém foi encontrado no local, mas os espaços foram destruídos.
Próximo à cidade de Itaituba, na região do Tapajós, os fiscais encontraram e apreenderam 41m³ de madeira em tora e 25m³ de madeira serrada sem autorização. A carga estava armazenada em uma serraria. O proprietário do local foi intimado a comparecer na delegacia e responderá pelo crime previsto no Art. 46, par. Único da Lei n. 9.605/98.
Já na rodovia Transamazônica, no trecho entre Placas e Rurópolis, a Força Estadual percorreu ramais até encontrar pontos de desmatamento ilegal previamente identificados por monitoramento via satélite. Durante o trajeto, a equipe encontrou uma área de grande extensão que foi desmatada para pasto.
As 10 localidades do Estado que estão sendo fiscalizadas são: Uruará, Medicilândia, Brasil Novo, Placas, Itaituba, Trairão, Novo Progresso, Castelo dos Sonhos, São Félix do Xingu e Altamira.
Instituída pelo Governo do Pará por meio do decreto publicado no dia 18 de fevereiro de 2020, a instituição é coordenada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, com a participação da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar, Defesa Civil, Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves” e Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio).