A relação da pobreza e da desigualdade de renda como fatores responsáveis pelas elevadas taxas de abandono e atraso escolar entre os jovens de 15 a 17 anos sempre foi preponderante no Brasil, segundo dados apurados pelo Censo Escolar e relacionados por organizações não governamentais em estudos e análises ligadas à educação pública. Nos últimos meses, um novo fator se somou à pobreza e desigualdade: a falta de acesso à internet evidenciada na pandemia, que excluiu milhares de estudantes em todas as regiões do país.
Somente no ano passado, cerca de 5,5 milhões de crianças e adolescentes ficaram sem acesso à educação. A quantidade de alunos, com idades entre 6 e 17 anos, que abandonaram as instituições de ensino foi de 1,38 milhão, o que representa 3,8% dos estudantes. A taxa é superior à média nacional de 2019, quando ficou em 2%, segundo dados da Pnad Contínua. Somado a isso está a situação de 4,12 milhões de alunos (11,2%) que, apesar de matriculados e sem estar em período de férias, não tiveram acesso a nenhuma atividade escolar por estarem desconectados e não terem acesso às aulas online.
Os dados foram compilados em estudo do Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para Infância), intitulado “Enfrentamento da cultura do fracasso escolar”, que reflete a realidade de muitos dos jovens do Brasil, especialmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade. Segundo o relatório, o perfil das crianças e adolescentes mais impactados pelo “fracasso escolar” já é bastante conhecido: “se concentram nas regiões Norte e Nordeste, são muitas vezes negras e indígenas ou estudantes com deficiências”.
“Não há razões para considerarmos essa situação algo próximo ao que chamamos de ‘normal’. Estamos falando de crianças e adolescentes, do futuro do nosso país. Essa situação é absolutamente inconcebível”, protesta o senador Jader Barbalho (MDB-PA) que vem tentando, ao longo dos últimos meses, sensibilizar o governo federal para que socorra essa população que continua sem acesso a bens necessários, como saneamento básico, educação de qualidade, banda larga, entre outros direitos.
CONECTIVIDADE
Na última sexta, 16, Jader Barbalho apresentou um projeto de lei que prevê o uso de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para promover a conectividade das famílias que estão inscritas em programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família ou outros similares.
O senador Jader Barbalho luta há muitos anos pela flexibilização das regras para uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações para incluir, entre seus objetivos, a melhoria do acesso à internet de qualidade nas escolas do país. “Tenho lutado para permitir que o recurso acumulado no Fundo possa ser usado para a ampliação da banda larga em escolas públicas, que possa servir para fazer a inclusão da população mais necessitada e que esse recurso possa ajudar a diminuir a desigualdade em nosso país”, explica o parlamentar, que quer agora apoio para conectar famílias beneficiadas pelos programas sociais do governo.
Os últimos dados divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) mostram que pelo menos 50% do total recolhido por ano pelo fundo, poderia ser utilizado como subsídio para o acesso às instituições públicas da educação de todo país. O Fust arrecada cerca de R$ 1 bilhão anualmente.
Em 2017 o senador Jader apresentou uma proposta para usar recursos do Fust para levar telefonia móvel para os distritos com mais de mil habitantes que continuam sem acesso à telefonia móvel. Esse projeto de lei ainda está em tramitação no Congresso Nacional.
FUST
O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações foi instituído pela Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000, com a finalidade de proporcionar recursos destinados ao cumprimento das obrigações de universalização de serviços de telecomunicações. Seu projeto original não incluía como prioridade a universalização da telecomunicação nas regiões mais remotas, sobretudo do Norte e Nordeste.
Na época, coube ao senador Jader Barbalho incluir uma emenda ao projeto de lei de criação do Fust para garantir que, do total de recurso arrecadado, 30% deveriam ir para as regiões de abrangência das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene). Outros 18% seriam destinados aos estabelecimentos públicos de educação.
Passadas duas décadas, o Fust arrecadou mais de R$ 22,6 bilhões, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), mas muito pouco foi usado em seu verdadeiro propósito, que seria o de atenuar o abismo digital que isola parte da população brasileira.
“Parte considerável das localidades mais distantes das sedes dos municípios, como áreas rurais, distritos, vilas e comunidades da região amazônica, seguem absolutamente isoladas, sem qualquer contato telefônico e, pior, sem o recurso da internet, tão necessária nesse momento da pandemia, que condenou milhares de crianças e jovens à exclusão digital”, lamentou o senador.
Embora 78,3% da população e 82,7% dos domicílios brasileiros tivessem acesso à internet no fim de 2019, a cobertura variava muito entre regiões, faixas de renda e tipo de escola frequentada.
Considerando apenas municípios da zona rural, por exemplo, a taxa de cobertura de internet é de 55,6% dos domicílios. No Norte do país, apenas 38,4% das residências da área rural tinham acesso à internet. No Nordeste, a taxa é de 51,9%.
Segundo o IBGE, as principais razões para a falta de internet são a indisponibilidade do serviço e o preço. A velocidade do serviço é outro problema: 22,1% dos domicílios brasileiros não tinham acesso à banda larga fixa, ficando dependentes dos serviços de banda larga móvel. Ainda assim, 18,8% deles não conseguiam acessar esse tipo de serviço.
E, mesmo com o serviço, a desigualdade no acesso a equipamentos prejudica mais os alunos da rede pública. Entre estes, apenas 64,8% tinham celular, enquanto a taxa de cobertura entre os estudantes da rede privada era de 92,6%.
Na região Norte, a diferença é muito maior: a taxa de cobertura na rede pública (47,5%) equivale quase à metade da verificada na rede privada (89,3%).