O Brasil das desigualdades tem quase 46 milhões de pessoas sem acesso à internet. Desse total, quase a metade – 23 milhões – se concentra principalmente nas áreas rurais das regiões Norte e Nordeste do país. Para se ter uma ideia, na área rural da região Norte, apenas 33,1% dos lares possuem acesso à internet, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-Contínua), divulgada em abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Agência Senado divulgou na semana passada matéria mostrando que esse cenário poderia ser completamente diferente caso fossem cumpridas as determinações da Lei 9.998, de 2000, que cria o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) que obriga que todas as empresas do setor devem destinar 1% da receita operacional bruta à expansão do serviço — especialmente, nas regiões consideradas não-lucrativas, ou seja, onde há população mais carente de acesso a este tipo de serviço.
Considerado um dos mais obscuros processos de privatização no país, que aconteceu em 1998, o das telecomunicações nunca conseguiu alcançar os objetivos sociais a que se propôs. Mesmo no ano em que foi criado o Fust, com a “intenção” de universalizar a telecomunicação, foi necessária uma batalha hercúlea para que as regiões mais carentes fossem priorizadas dentro dos objetivos do Fundo.
Coube ao senador Jader Barbalho (MDB-PA) na época, exigir informações, por meio de requerimento encaminhado ao então ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, por exemplo, sobre as empresas prestadoras dos serviços telefônicos, e se essas haviam cumprido o previsto no artigo 80 da Lei n· 9.472 de 1997, que criou a Anatel e reorganizou os serviços de telecomunicações. O artigo obrigava a universalizar a telefonia, com atendimento prioritário a deficientes físicos, instituições de caráter público e social (escolas e hospitais), bem como a áreas rurais ou de urbanização precária e regiões remotas.
A intervenção do senador Jader aconteceu durante a tramitação do projeto de lei originário da Câmara dos Deputados que criaria o Fust com a intenção de propor uma função mais social para o fundo. O autor da matéria, o então deputado federal e ex-senador José Pimentel sugeria que a contribuição das empresas fosse maior e entre outros destinos sociais, fosse aplicada na área da educação, interligando os estabelecimentos de ensino à internet para dar um salto de qualidade na área utilizando as telecomunicações, o que seria, nos dias atuais, a utilização massiva da internet.
“Na época havia uma clara intenção de mudar os objetivos do Fust nas comissões por onde o projeto tramitou no Senado. Foi preciso estabelecer uma verdadeira batalha para que o Fundo permanecesse com seus objetivos principais, que seriam o da universalização”, lembrou o senador Jader.
Coube ao parlamentar paraense, por exemplo, incluir emenda ao projeto de lei para garantir que, do total arrecadado, 30% deveriam ir para as regiões de abrangência das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene). Outros 18% seriam destinados aos estabelecimentos públicos de educação.
“Na época, a norma foi considerada um avanço. Ela previa como objetivos do Fust atender comunidades pequenas e com baixo poder aquisitivo, garantir a cobertura em áreas remotas e de fronteira, ampliar a telefonia rural e assegurar acesso a telefone e internet de alta velocidade em escolas, bibliotecas, hospitais, delegacias e outros órgãos públicos. Mas isso ficou no papel”, lembra a matéria divulgada pela Agência Senado.
Na verdade, passadas duas décadas, o Fust arrecadou mais de R$ 22,6 bilhões, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mas muito pouco destinou ao seu verdadeiro propósito, que seria o de atenuar o abismo digital que isola parte da população.
Uma das preocupações do senador Jader Barbalho é com a utilização do Fust para outras finalidades. Relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União em 2016, mostrou que, dos R$ 16,05 bilhões arrecadados pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações entre 2001 e 2015, apenas 1,2% foi utilizado na universalização dos serviços de telecomunicações.
Nada menos que 69,39% da arrecadação foi empregada “em outros fins”, como remuneração de instituições financeiras, auxílio-transporte para servidores do Ministério das Comunicações e assistência médica, odontológica e pré-escolar para dependentes dos servidores do Ministério.
Os saques na conta do Fust para outras finalidades reduziram o superavit financeiro do fundo a R$ 5,6 bilhões em 2019. “As barreiras que impediam a aplicação dos recursos do Fust não estavam relacionadas à eventual impropriedade na legislação que rege o fundo. A paralisia devia-se antes à falta de articulação e de prioridade no âmbito do Poder Executivo em relação ao assunto”, concluiu o ministro do TCU, relator da fiscalização feita no Fust, Bruno Dantas.
Para o TCU, é necessário um maior controle e transparência sobre a utilização desses recursos. Dessa forma, além das determinações e das recomendações para correção de rumos, o trabalho cumpre um papel adicional de subsidiar o Congresso Nacional no aprimoramento dos marcos legais que envolvem o setor e no aperfeiçoamento das políticas públicas.
O senador criticou a gestão do Fundo e ressaltou um dos pontos elencados pelo ministro Bruno Dantas no relatório do TCU, que mostra a falta de planejamento e ações coordenadas no setor. “Não há projeto, não há transparência de dados sobre o Fundo. O ideal seria termos regras claras que obriguem as operadoras a promover, de fato a universalização”.
Jader lembra, por exemplo, que muitas localidades do país não contam com a cobertura do serviço por que as regras em vigor não obrigam as operadoras a implantar o sinal na totalidade dos distritos que integram sua área de prestação, restringido a oferta, principalmente, nas sedes municipais.
“Dessa forma, parte considerável das localidades mais distantes das sedes dos municípios, como áreas rurais, distritos, vilas e comunidades da região amazônica, seguem absolutamente isoladas, sem qualquer contato telefônico, seja por via celular, seja por telefonia fixa”, explica o parlamentar paraense.
Para esta finalidade, Jader apresentou, em 2017, um projeto de lei que obriga as empresas de telecomunicação a levar o sinal de telefonia celular ao alcance de todos os distritos e localidades no Brasil onde residam mais de mil pessoas. Aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, o PLS 222/2017 possibilita a utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) na massificação de serviços prestados em regime privado. O texto também garante o financiamento da implantação e a operação da infraestrutura. O projeto aguarda, há quase um ano, parecer da relatora, a presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, senadora Daniella Ribeiro (PSL).
O Congresso analisa mais de 40 proposições para garantir efetividade ao Fust — 18 delas no Senado. As propostas preveem desde novos objetivos para o fundo até a proibição de contingenciamento de recursos para a realização de superavit primário. Outra parcela de projetos estabelece regras para o uso emergencial do dinheiro durante a pandemia de coronavírus.
O senador encaminhou ofício ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, informações sobre a ampliação do Serviço Móvel Pessoal (SMP) para os distritos que estão distantes das sedes municipais em todo o país.